Por essa ninguém esperava!

Foi confirmado essa semana que as cinzas do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, que explodiu próximo à ilha de Tonga no último dia 15/janeiro são responsáveis por um fenômeno raro aqui em terras tropicais: o céu super colorido, muito antes do nascer do Sol! 

Caalma.. deixa eu explicar do começo!

Tudo corria normal por aqui esta última semana de janeiro. Verão bombando, calor forte, dias de Sol no Rio.

No dia 26/01, uma quarta-feira, acordei com uma forte luz na cara, por volta das 05:00 da manhã. Tinha deixado a persiana aberta, e a minha janela do quarto é virada para sudeste, assim que todo verão é possível ver o Sol nascendo com sua forte luz.

Mas essa luz estava diferente, um amarelo-ouro, muito “fechado”, pendendo para um cobre/champagne, muito distante dos tons laranja que precedem o nascer do Sol. Pulei da cama, peguei a câmera e fiz alguns cliques do céu, esses aí:

Até postei no stories perguntando se alguém também tinha visto isso ou se eu estava sonhando, e eis que quando postei, dou de cara com um post do amigo e tambem fotógrafo Bezerra, (que acorda muito cedo pois faz ensaios com casais dentro do mar, durante o amanhecer) mostrando da sua janela o céu ROSA as 04:28am. ROSA! De madrugada??

Não sei se o caro leitor tem ciência, mas, em 2021 eu lancei um e-book chamado “Golden Hour – a ciência por trás da melhor luz para a fotografia de paisagem” que trata justamente de detalhar todas as fases do nascer e pôr do Sol, por isso posso dizer que desse assunto eu entendo. Mas essa luz rosa iluminando o céu, uma hora ANTES do nascer do Sol, não estava no script.

Normalmente, ainda uma hora antes do nascer, estamos na transição da “hora astronômica” para a “hora náutica”, quando o céu começa, muuuito de leve, a clarear, e você consegue começar a distinguir o horizonte do céu escuro. Nesse momento, o que temos é um tom azulado, bem escuro, que vai aos poucos clareando, até entrarmos na “hora mágica” – que compreende a blue hour e a golden hour.

Na sequência, um aluno meu do Curso de fotografia de paisagem, Rafael Pereira, que mora em Conselheiro Lafaiete – MG,  viu o meu post sobre a luz dourada e me mandou um timelapse que ele fez naquela madrugada, mostrando essa luz vermelha/rosa passando pelo céu ainda de noite, e só um tempo depois, o sol nascendo. O timelapse do Rafael foi perturbador para mim, pois ele mostrava claramente que essa luz rosa não estava relacionada à golden hour em si, (que é quando o céu explode em cores) pois acontecia muito antes, e tinha um “gap”, um espaço sem luz colorida entre os eventos. Além disso, ele registrou a mesma luz que o Bezerra a 340km de distância do Rio, ou seja estava claro que não era um evento local.

Sério, minha cabeça bugou naquele momento. Nunca vi nada parecido, e olha que eu devo ter uns 5.000 nascer do Sol na bagagem.

Peguei o timelapse dele e montei um painel comparando com o Photopills e com imagens de satélite daquela manhã (do site zoom.earth), tudo sincronizado com o horário que ele me disse que tinha começado e terminado a gravar o timelapse, e com esse painel rodando, entendi que a luz estava ocorrendo entre a hora astronômica e a hora náutica. Veja na animação abaixo:

Repare bem no começo do video que, por volta das 04:30 na imagem, o céu está bem vermelho, mas ele não muda para laranja, e finalmente amarelo, o que seria um nascer do Sol comum. Ele fica vermelho, depois “recrudesce” para um tom neutro, e enfim começa a esquentar de novo.

Nesse horário das 04:30h, observe a imagem da direita, de satélite, como ainda está muito escuro na America do Sul, o Sol está looonge de chegar.. Nesse horário, o Sol está a -15º de altitude em relação ao horizonte, enquanto a Blue e Golden hour (quando normalmente fotografamos o nascer do Sol) só começa quando o Sol está a -6º de altitude! Como pode, em -15º, o Sol estar influenciando as cores do céu?? Que luz maluca é essa??

A única explicação plausível para mim naquele momento seria a ocorrência de nuvens muito altas, acima da troposfera, que pudessem estar refletindo de volta essa luz vermelha que o Sol já estaria enviando. Ela seria vermelha pelo ângulo de incidência de entrada da luz na nossa atmosfera, bem tangente, pois o Sol ainda está muito longe de nascer.

Mas, para que eu pudesse tentar entender melhor, só teria uma forma de saber: indo fotografar no dia seguinte e torcer para a mesma luz rosa da madrugada acontecer de novo.

Então vamos lá ver isso com os nossos olhos né..

Dia 27/01 saí cedo de casa, por volta das 04:20 am, e para a minha surpresa o céu já estava totalmente rosa na direção leste! Acelerei o carro pois o ponto que eu tinha decidido ir fotografar (não vou dar detalhes porque não é lá um local muito seguro!) ainda estava uns 20 minutos distante da minha casa, mas consegui chegar em 7, (essa hora não tem trânsito ;).

Chegando lá, montei duas câmeras, uma para fazer um timelapse e outra para fazer fotos livres. O céu apresentava na sua base um rosa tão intenso que estava estourando na câmera, e uma camada de nuvens do tipo altocumulus, pintada de lilás/rosa, uma cor difícil de descrever.

Essa luz rosa estava iluminando toda a cena ao meu redor, num tom que eu só tinha visto em lugares muito próximos aos pólos do planeta, como na Patagônia e na Noruega. Difícil descrever, difícil de acreditar mas era verdade.

Terminei as fotos por volta das 06:50am, quando o Sol já estava um pouco alto, e em casa montei o timelapse, que, para minha surpresa, mostrava exatamente esse movimento da luz como no timelapse do aluno Rafael, lá em Minas: uma passagem de cores rosa, seguida de uma passagem neutra, e só depois, o nascer do Sol. Veja abaixo:

Passei o dia inteiro revendo o timelapse do Rafael e comparando com o meu, e vi no Instagram outras pessoas postando fotos desse céu rosa, ou seja muita gente viu também! Mas não cheguei a nenhuma conclusão que eu pudesse elaborar a não ser “culpa das nuvens altas”. O que me surpreendeu mais ainda foi o que veio a seguir.

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Apareceu a resposta!

Na manhã seguinte não saí para fotografar. Lá pelas 11h da manhã, recebo um Whatsapp de um jornalista do Globo.com – G1/Rio de Janeiro, veículo de comunicação que volta e meia publica fotos minhas. Eles queriam saber se eu tinha alguma foto do fenômeno “do céu rosa” para colocar em uma matéria que eles estavam escrevendo sobre o vulcão de Tonga. HEIN??

Sem entender direito, disse que sim, tinha fotos e um timelapse incrível. Mandei para eles. Praticamente ao mesmo tempo que estava enviando, me liga uma produtora da Band, perguntando a mesma coisa, e querendo saber se eu topava uma entrevista para falar do fenômeno. Eu disse que topava, mesmo não tendo entendido direito o que estava acontecendo hahaha.

Aí li a matéria do G1, que explicava que as cinzas do vulcão de Tonga, que explodiu na semana anterior, atingiram altitudes no nível da estratosfera e se espalharam por milhares de quilômetros, dessa forma estavam refletindo a luz vermelha do Sol no horário em que o Sol ilumina essa camada superior da atmosfera, cerca de 1h antes do nascer. FANTÁSTICO! Aí sim faz todo o sentido!

Resolvi dar uma estudada em artigos de sites de pesquisa de vulcões e da NASA, para ver se algo já estava sendo dito sobre o fenômeno.

Achei um bem interessante, da BBC, que mostra que o “cogumelo” de fumaça vulcânica que foi expelido com toda força verticalmente passou da troposfera – cerca de 15km de altura – e atingiu a estratosfera, que é a segunda camada da nossa atmosfera, a 30km de altitude. A partir daí, essa fumaça começou a se espalhar em volta do planeta e está influenciando nas cores do nascer e por do Sol em vários lugares, como mostram essas reportagens na Austrália e nos EUA.

Só para situar, a NASA atestou que essa explosão foi centenas de vezes mais forte do que a bomba de Hiroshima, sendo considerada  a explosão mais forte dos últimos 30 anos no planeta!

Veja as imagens abaixo, a explosão sendo registrada por um satélite meteorológico do NOAA e o espalhamento dessas cinzas pela atmosfera terrestre, visto da ISS (Estação Espacial Internacional):

Posteriormente, conversando em um grupo de alunos no Whatsapp, um dos alunos, o Reynaldo, lembrou que nos anos 90, a explosão do vulcão Pinatubo, nas Filipinas, também alterou as cores do nascer e pôr do Sol aqui no Brasil. Veja este artigo sobre o tema, da revista Super Interessante, de 1992. 

Em 2008, foram reportadas as mesmas cores intensas de vermelho e rosa na região norte dos EUA, devido à erupção do vulcão Kasatochi, no Alasca, que expeliu suas cinzas a mais de 10.000 metros de altitude.

Já em 2015, as cinzas do vulcão Calbuco, no Chile, chegaram até o céu de algumas regiões do Brasil e também pintaram o nascer do Sol de vermelho, conforme essa reportagem do G1.

Resumindo o que está longamente explicado no meu e-book Golden Hour, a atmosfera é composta de diversos tipos de gases e partículas, com predominância para o Nitrogênio (78%) e Oxigênio (21%). Quando a luz do Sol atinge a atmosfera ela é dividida em 7 cores (as cores do arco-íris) sendo que as moléculas destes gases por serem bem pequenas, refletem mais a luz azul e violeta, por serem cores de alta frequência.

Só depois de muitas e muitas camadas de ar refletindo esse azul é que começam a aparecer as cores de baixa frequência (amarelo, laranja, vermelho). Por isso o nascer e pôr do Sol apresentam essas cores, pois a luz está percorrendo uma distância muito maior para chegar até onde está ocorrendo a “hora mágica” enquanto chega rapidamente onde é meio-dia por exemplo (sol à pino, 90º).

Essas partículas de cinzas vulcânicas acabam por adicionar mais camadas na atmosfera, fazendo com que a luz demore ainda mais para chegar por isso vemos um vermelho intenso que não costumamos ver. No caso específico deste vulcão de Tonga, as partículas foram expelidas a mais de 30km de altura, atingindo a estratosfera. Dessa forma, a luz vermelha espelhada por esta grossa camada (estratosfera+troposfera+cinzas vulcânicas) acaba chegando num horário fora da golden hour, durante a hora náutica ou mesmo a hora astronômica, transformando o céu escuro em um céu vermelho.

As fotos foram parar na TV

Com tudo esclarecido, postei algumas fotos e o timelapse no meu Instagram, e mais tarde foi muito legal assistir à reportagem do diário local Jornal do Rio, na Band, além do Jornal da Band (nacional) e por fim o timelapse também apareceu em uma longa reportagem sobre o tema no Jornal Nacional da Globo. Veja as reportagens no compilado abaixo!

Segundo os meteorologistas…

esse céu ainda pode ficar assim por alguns dias ou até semanas! Portanto, se você também quiser registrar esse fenômeno único, mãos à obra!

Abraços e boas fotos!
Marcello

SOBRE O AUTOR

Marcello Cavalcanti

Fotógrafo outdoor com 20 anos de experiência. Youtuber com o canal Por Trás da Foto, professor de fotografia presencial e online, idealizador dos Cursos Online Fotografia de Paisagem., Filter Masters by K&F Concept, A Caixa Preta do Fineart, e vencedor de prêmios relevantes no cenário da fotografia de paisagem e natureza. Cadastre-se na minha newsletter para ficar sabendo dos novos lançamentos, promoções e dicas de fotografia!