Essa história do canal no Youtube, mostrando como eu executo as minhas fotos, me deu uma baita vontade de contar sobre algumas das fotos que eu mais gostei de fazer. Então resolvi abrir esse espaço aqui – já que o blog é meu mesmo – contando os bastidores de alguns dos meus clicks, enfim aqueles que tem histórias legais pra contar!
[pausa] se você não conhece o meu canal no Youtube, ta esperando o que? Clica aqui! [fim da pausa]
História da foto: O Retrato de Louis Mendes
O ano era 2010. Eu estava no auge da minha produção fotográfica do projeto Fotofragmentos. Clicava feito um louco aqui no Rio, mas precisava me embrenhar em um ambiente mais urbano, mais cheio de gente, onde a natureza não fosse a estrela. Nova York is the place – pensei comigo. Eu simplesmente amo essa cidade. Já estive lá algumas – muitas – vezes, e sempre que posso, volto. É um desses lugares que não se esgotam jamais! Anyway, tinha uma graninha guardada, e, alguns meses depois, parti pra lá para passar um período de cerca de 15 dias apenas fotografando a cidade. Aluguei um apê minúsculo de uma francesa, amiga de um amigo meu (o conceito de Airbnb não era tão difundido na época) que deixou a chave com o caixa de uma mercearia, foi muito cena de filme eu chegando na mercearia e falando com um indiano – “hello my name’s Marcello, I think there’s a key for me here” e o cara me dando um envelope com a chave dentro… Que Nova York!
Mas vamos ao que interessa, a foto!
Depois de uns 13 dias por lá, já nos meus últimos dias na cidade, resolvi dar um pulo na B&H. Pra quem não sabe a B&H é a meca mundial dos fotógrafos. Trata-se de uma loja de 3 andares em Manhattan, com TUDO que você pode imaginar para fotografia, audio e video. Vale a visita. Como eu não tinha muita grana, deixei pra ir lá no final da viagem, e resolvi comprar uma pequena mochila. Na saída da loja, vi um alvoroço na calçada, uns turistas japoneses clicando um cara feito loucos, como se ele fosse um famoso. Resolvi chegar perto para ver. Eles estavam fotografando um homem vestido como alguém dos anos 40/50, de terno e chapéu. Esse homem estava posando para eles, e segurando uma câmera médio formato espetacular, antiga, incrível. Realmente parecia alguém que viajou no túnel do tempo e apareceu ali no meio de Nova York.
Fiquei muito tentado a fotografá-lo também, mas, street photography não é o meu forte. Se ainda não é hoje, imagina há 8 anos atrás. Fico tímido, acho um pouco agressivo levantar a lente na cara de alguém.. sei lá se esses japoneses estavam pagando a ele alguma coisa.. Se era mesmo um famoso.. mas enfim, como eu tava com a câmera ali na mochila recém comprada, e não tinha nada a perder, resolvi tentar a sorte. Comecei fotografando de longe, ele meio de lado. O japonês terminou a sessão fotográfica e saiu fora, ai ele percebeu que eu também estava clicando e começou a me olhar, complacente. Fui chegando perto e clicando. Andava e clicava. Até que um momento, eu já estava frente a frente com ele, quando fiz essa foto.
Fiquei maravilhado com a foto. Que luz! Que pose! Que expressão! Vi que ele estava curioso pra ver, e virei a câmera pra mostrá-lo. Começamos a conversar. Ele me disse que o nome dele era Louis, e que ele fotografava pessoas na rua em NY há não sei quantos anos. Levava consigo uma câmera antiga, com um flash q estourava a lâmpada a cada click, esse tipo de coisa que você só vê em Nova York. Disse que “fazia ponto” muitas vezes na porta da B&H, por causa do turismo frenético de fotógrafos nessa loja. E que queria fazer uma foto minha.
– Minha?
– Sim, sua, vamos lá? Você fez a minha, agora quero fazer a sua. A foto sai na hora, como uma Polaroid.
– Mas, quanto é essa foto? Perguntei.
– Vinte Dólares.
– Louis, é o seguinte. Hoje é o meu penúltimo dia em Nova York. Estou aqui há 2 semanas. Tenho pouco mais de 100 dólares na carteira, pra jantar hoje, tomar café amanhã , almoçar e me deslocar até o aeroporto, comer algo por lá e ir embora pra casa. Infelizmente, não posso pagar 20 dólares agora na sua foto, desculpe.
E esse papo que eu mandei pra ele era 100% verdadeiro, realmente estava com a carteira vazia. E realmente ia embora amanhã. Eu descobri depois que ele cobra apenas uma gratificação por cada foto, mas como ele mandou essa de 20 doletas, fiquei nessa situação, e jamais barganharia uma foto dele, ali na rua. Mas a resposta foi a seguinte:
– Não tem problema, um dia você me paga.
– Sério?
– Sério.
E ele fez a foto.
(OBS: Que pose ridícula, que óculos tosco, por favor relevem).
Levei a foto pra casa.
Corta pra 2013.
Três anos depois desse ocorrido, eu resolvi fazer um curso rápido de tratamento de imagem RAW. Estava precisando aprender mais, entender algumas coisas que eu só tinha aprendido vendo videos no Youtube. Queria uma aula mesmo. Me indicaram o ICP (International Center of Photography) em.. Nova York. Essa cidade me persegue. O ICP pra quem não conhece é uma escola fuderosa de fotografia, fundada nos anos 70 por Cornell Capa, fotógrafo da Agência Magnum e nada mais nada menos do que o irmão mais novo de Robert Capa, lendário fotógrafo de guerra. Lá tem um museu, biblioteca, salas mega equipadas.. é um sonho. A escola é toda subterrânea (tipo aquela loja da Apple na 5a. Ave) no coração de Manhattan, literalmente. Mais uma vez tinha uma graninha guardada, e fui pra lá de novo, dessa vez por 20 dias, para fazer um summer course que eles tem todo verão (quente pra kct!), de 2 semanas, intensivo, só de tratamento, 3 módulos. Pra economizar, aluguei um quarto em um Airbnb – xexelento – de uma turca artista plástica muito, mas muito gente boa, que me mostrou uma outra NY que eu não conhecia, bares, galerias de arte, até a praia de NY eu fui. Foi sensacional.
Para o curso, eu deveria levar algumas fotos no HD, para usar de exemplo nos tratamentos. Separei algumas das minhas preferidas de paisagem, e, para ter algum retrato legal, levei o arquivo dessa foto do Louis também.
Começam as aulas, uma turma grande e bem sortida de gente. Cada um tinha o seu computador, com impressora, era realmente um sonho. Até hoje eu sonho com esse momento. Eis que fiquei meio amigo de uma menina italiana que também estava fazendo o curso, mas morava em NY há uns 2 anos, Francesca. Um dia, ela viu eu abrindo a foto do Louis no meu computador, e falou, – hey, eu conheço esse cara, que foto ótima!
– Conhece?
– Sim, ele está sempre fotografando as pessoas na rua e..
– Eu sei, fiz essa foto há uns 3 anos atrás, aqui em NY.
– Sério? Que demais! Ele já viu essa foto?
– Viu na época, acho..
– Porque você não imprime uma pra ele?
– Mas como eu vou achar essa cara? Essa cidade é gigante!
– Ele fica muito pelo Madison Square Garden, ou ali na B&H..
Hmm essa ideia realmente é legal! Vou tentar fazer isso – pensei.
Imprimi a foto em um A4 e botei numa pasta. Comecei a levar essa pasta comigo, sempre q eu ia pra aula, e depois dava um rolé despretencioso pelas ruas. E não é que eu passei por ele um dia cruzando um sinal? Eu em uma direção, e ele na direção oposta. So que nesse dia eu não estava com o raio da pasta! Cheguei do outro lado da rua, parei, olhei pra trás, e falei, porra, é o cara que eu to procurando! Vou lá! Voltei correndo e cutuquei o cara no ombro.
– Louis?
– Yes!?
– Olá, meu nome é Marcello. Você fez uma foto minha alguns anos atrás, mas eu não tinha dinheiro pra pagar. Agora eu estou aqui de novo, e quero te dar uma foto de presente, que eu fiz.
– Como é?
(repeti a história, eu estava super nervoso e devo ter falado tudo errado)
– Mas.. você quer me pagar agora, é isso?
– Não, queria te dar um presente.
– Que presente? – Ele ficou super desconfiado.
– Uma foto. Eu fiz uma foto sua.
– Hmm..
– …
– Ok, anota ai o meu telefone. Me liga amanhã de manhã e nos encontramos. Onde você está?
– Em Lower East Side, mas estou estudando na ICP.
– Ah ótimo, na porta da ICP então.
Dia seguinte liguei pra ele. Ele apareceu na porta da escola, como combinado, umas 9:30 da manhã. Entreguei a pasta pra ele com a foto. Ele abriu, olhou e riu.
– Uau é uma ótima foto! Eu estava bem mais novo aqui!
– Obrigado, queria dar essa foto para você, pois na época você fez a minha foto e eu não paguei.
– Ok, obrigado!
E virou as costas e foi embora.
Nunca mais o vi, espero que ainda esteja vivo e atuante nas ruas de Nova York. Fiquei feliz de ter fechado essa história dessa forma.
PRa quem quer conhecer mais do trabalho desse cara incrível, tem esse video aqui: