A astrofografia pode mudar para sempre.

Não, esta não é uma manchete sensacionalista. Nos últimos meses no Brasil e no mundo, esta discussão está ganhando força entre os astronomos e astrofotógrafos.

Esta questão remonta a 2015, quando o empresário Elon Musk –  visionário na questão de motores elétricos, com a sua marca de carros Tesla, entre outros empreendimentos – anuncia a criação de uma constelação de satélites a orbitar a Terra (o StarLink) em poucos anos, afim de distribuir internet via satélite para todos os cantos do globo. Estes satélites seriam desenvolvidos e lançados pela SpaceX, sua empresa aeroespacial, que foi criada em 2002 para produzir foguetes de transporte de mantimentos para estações espaciais e futuramente, para uma possível colonização à Marte.

Se você leu este primeiro parágrafo e está pensando que eu estou louco ou assistindo a alguma série do Netflix e confundindo com a realidade, reveja seus conceitos. Esta revolução espacial está acontecendo há alguns anos, debaixo dos seus olhos.

Voltando ao Starlink: Muitas preocupações foram levantadas pelo governo americano sobre o projeto, por causa da quantida de “lixo espacial” orbitando ao redor da Terra e o impacto na astronomia. Esta constelação de satélites irá aumentar e muito esta lixarada – estamos falando de milhares de satélites no projeto da SpaceX. Algumas alterações foram sugeridas na arquitetura dos satélites para que brilhem menos com a luz do Sol e o projeto foi em frente, orçado em 10 bilhões de dólares e finalmente recebendo aprovação da FCC (Federal Communications Comission) em 2018 para começar a lançar os satélites . Esta grande constelação de satélites artificiais orbitando em órbita terrestre baixa (LEO) formará a espinha dorsal de uma rede global de internet de banda larga.

Veja nesta imagem abaixo, a projeção de como ficará, apenas com os satélites da Starlink, na órbita baixa, segundo o canal Real Engeneering (veja o video completo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=giQ8xEWjnBs

De 2015 até 2019 vários satélites de teste foram lançados, e finalmente em maio de 2019 o primeiro lote operacional de 60 satélites foi para o espaço, literalmente. Os satélites ainda estão sendo usados como fase de testes, e entrarão em operação, segundo a SpaceX, após novembro de 2020. A empresa tem lançado lotes de 60 satélites a cada vez, ( o último lote até a publicação deste artigo foi em 22/abril/2020) que orbitam em altitude baixa – e visível a olho nu – e vão subindo até chegar a uma altitude operacional, vistos apenas por telescópios, mas, que, teoricamente, ainda vão aparecer nas imagens fotográficas de longa exposição.

Desde fevereiro/2020, muitos deles foram vistos por brasileiros passando em alta velocidade, nos céus do nosso país, principalmente ao cair da tarde, quando a luz solar reflete bem neles e os torna como estrelas em movimento. Veja no video abaixo:

Apesar de ser realmente muito interessante poder avistar satélites a olho nu, dando aquela sensação de que o futuro chegou, esta “poluição visual” no céu traz outra questão, para quem gosta de astrofotografia: E agora?

a SpaceX pretende lançar até 40 mil satélites destes, para orbitar a Terra. Enquanto eles estão rodando em baixa altitude, são facilmente vistos a olho nu e filmados com qualquer celular. Como fica a astrofotografia nisso? A resposta é simples: Fica mal. Muito mal.

Ao fazer uma longa exposição afim de fotografar a via láctea, usamos a famosa “Regra dos 500” para controlar a quantidade de tempo que podemos abrir o obturador afim de captar o máximo de luz possível, sem borrar as estrelas, causando o star trails. Como estes satélites estarão na Órbita Terrestre Baixa (ficarão a cerca de 550km segundo a própria SpaceX) eles não se aplicam à regra dos 500 e acabam riscando a foto, detonando a sua composição. Se isto já está acontecendo com menos de 1000 satélites StarLink orbitando, imagina quando chegarmos aos milhares?

Veja nas fotos abaixo, recentemente compartilhadas em grupos de astronomia, o impacto nas imagens. Cada risco retilíneo destes é a passagem de 1 único satélite durante a captura de longa exposição.

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Caso eles fossem orbitar definitivamente em órbitas mais altas, onde estão os outros satélites, teriam comportamento de velocidade na imagem semelhante às estrelas, portanto não apareceriam dessa forma, e sim como meros pontos na imagem, como estrelas mesmo. A questão é que para fazer essa transmissão de dados de internet , precisam estar mais baixos, na chamada Órbita Terrestre Baixa.

Como desde 2019 os satélites já estão orbitando o céu dos EUA, a questão foi levantada lá há mais tempo, com alguns astrônomos apontando o problema e inclusive questionando o próprio Elon Musk no Twitter. Ele tem respondido que estão trabalhando em uma forma de atenuar o brilho do painel solar dos satélites, mas pelo que temos visto no Brasil, isso ainda não foi feito.

A observação de um satélite artificial depende de vários fatores como o tamanho do objeto, o ângulo da incidência da luz do sol em relação ao chão, a orientação dos painéis solares dele, a distância da Terra e a hora do dia. A preocupação é que com milhares de satélites passando sobre nossas cabeças 24h e a uma altitude baixa, a chance de ver – e aparecer – na sua foto será sempre muito grande.

Bill Kell, astronômo e professor da Universidade do Alabama, disse em uma entrevista: “Eu vi o “trem do Starlink” essa semana. Alguns deles mostraram um reflexo sistemático, brilhando com intensidade de magnitude 2, por aproximadamente 5 segundos. Como referência, essa intensidade é 50% mais brilhante do que Sirius, a estrela mais brilhante no nosso céu”

Já Jonathan McDowell, do Centro de Astrofísica de Harvard-Smithsonian, diz que “assim que os satélites ganharem sua altitude definitiva, eles não serão tão visíveis. Podemos ter ainda semanas ou meses até que essa situação esteja finalizada“.

O problema já chegou inclusive ao Observatório Vera C. Rubin, no Chile, um dos mais avançados observatórios espacial do mundo. Eles fazem uma varredura do céu todas as noites, fotografando 1000 imagens por noite, com um gigantesco telescópio conectado a um sensor de 3.200 megapixels (isso mesmo, 3.200). Este projeto terá a duração de 10 anos, e assim empilhando estas imagens, terão uma foto em altíssima resolução do espaço profundo, com galáxias nunca visíveis pelos humanos. Como cada foto destas tem aproximadamente 30 segundos, a passagem dos StarLink durante uma dessas fotos suja a imagem e a mesma tem que ser refeita. Agora projete isso para 1.000 fotos diárias.

Em março de 2020, Elon Musk falou na Satellite Conference 2020 sobre o projeto StarLink e preveu zero impacto nos estudos do céu noturno. Segundo ele, “Estou confiante que não causaremos nenhum impacto nos estudos astronômicos. Zero. Esta é a minha previsão. E vamos tomar medidas corretivas se estiver acima de zero”. 

Se esta afirmação de Musk vai se concretizar, ainda não podemos afirmar.

O fato é, que, de agora em diante, será no mínimo prudente se atualizar sobre a posição dos satélites no céu antes de planejar uma saída fotográfica noturna, seja para uma área remota da sua cidade/estado ou mesmo uma viagem de astrofotografia, para locais como Chapada dos Veadeiros e Deserto do Atacama, etc.

Pelo site Find Starlink (https://findstarlink.com) você coloca a sua localização desejada e ele te dá o resultado sobre as chances de ver o trem da SpaceX passando sobre a sua cabeça.

Já o site SatFlare (https://www.satflare.com/track.asp?q=StarLinkLaunch#TOP) mostra onde estão os satélites, em tempo real.

Não é grandes coisas, até porque os próximos lançamentos não foram divulgados, para se ter um planejamento a longo prazo, mas é o que temos atualmente. Continuo atento a esta situação, pois a astrofotografia de paisagem tem que continuar! 😉

Abraços,

Marcello Cavalcanti

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SOBRE O AUTOR

Marcello Cavalcanti

Fotógrafo outdoor com 20 anos de experiência. Youtuber com o canal Por Trás da Foto, professor de fotografia presencial e online, idealizador dos Cursos Online Fotografia de Paisagem., Filter Masters by K&F Concept, A Caixa Preta do Fineart, e vencedor de prêmios relevantes no cenário da fotografia de paisagem e natureza. Cadastre-se na minha newsletter para ficar sabendo dos novos lançamentos, promoções e dicas de fotografia!